terça-feira, 12 de junho de 2012

Totem e Tabu (parte II: Tabu e ambivalência emocional)

Nesta segunda parte, e dando continuidade a postagem anterior, vou descrever pontos que acho mais interessantes da seção II do artigo sobre "Totem e Tabu" de S. Freud.
'Tabu' sendo um termo polinésio pode significar, para nós, 'sagrado', 'consagrado' ou ainda 'misterioso', 'perigoso', 'proibido', 'impuro'. São proibições e restrições, algo inabordável. Apesar de, aparentemente, os tabus não possuírem fundamento e serem de origens desconhecidas, muitas vezes não inteligíveis para nós, são dominantes para àqueles que as aceitam.
A punição pela violação de um tabu, originalmente, era deixada para que o próprio tabu se vingasse. Mas numa fase posterior, quando deuses e espíritos foram inventados, os quais os tabus foram associados, esperava-se que a penalidade proviesse do poder divino ou que a própria sociedade, submissa ao tabu, encarregava-se da punição. Pessoas ou coisas consideradas tabu parecem ser um corpo carregado com eletricidade; possuem imenso poder que se transmite ao contato, podendo, inclusive, destruir aquele que o toca, pois esse que toca é fraco demais para aguentar a 'descarga'. Reis e chefes possuem esse grande poder do tabu e dirigir-se a eles pode ocasionar a morte daquelas pessoas que são muito inferiores a eles, mas agentes intermediários podem ser a ponte entre esse vale, entre essas hierarquias 'distantes', assim desempenhavam essa função os sacerdotes.
Os tabus sobre os animais, segundo os povos primitivos australianos, que consiste basicamente em não matá-los e comê-los, constituem o totemismo. Aqueles tabus sobre os seres humanos restringem-se, primeiro, a circunstâncias: rapazes são tabu numa cerimônia de iniciação, mulheres mestruadas ou após o parto, recém-nascidos, pessoas enfermas ou os mortos. Em segundo, elementos em que um humano possa fazer uso costumeiro é um tabu permanente para outros: vestuário, ferramentas ou armas. E outros tabus, são impostos aos seres inanimados: árvores, casas, plantas e localidades. Qualquer coisa que seja misteriosa ou provoque temor pode se tornar um tabu.
Freu evidencia que tanto os tabus como as doenças neuróticas, dentre elas aquelas com sintomas obsessivos, são igualmente destituídas de motivo, ambas misteriosas em suas origens. As práticas do tabu e dos sintomas obsessivos que concordam são (Freud, 1996, p.46): (1) o ato de faltar às proibições motivo qualquer atribuível;  (2) mantidas por necessidade interna; (3) deslocáveis e podem infeccionar o outro, isto é, podem ser passadas pelo contato ou pelo olhar, infectando o outro ou alguma coisa que pode, por efeito dominó, infectar algo ou alguém e assim por diante; (4) a criação de dificuldades para a realização de ações cotidianas ou cerimoniais. Há ainda um exemplo, de um caso clínico, de como essas práticas podem ser vistas numa criança que possui um conflito interno, uma ambivalência, entre o seu instinto e proibições externas (Freud, 1996, p.46-47).
O tabu aos mortos, expresso pela hostilidade inconsciente sobre os demônios - demônios esses que nascem da insatisfação do morto, intensamente insatisfeito com a sua morte, tornando então sua alma vingativa; com inveja dos vivos (Freud, 1996, p.73) - é ambivalente, no sentido que, de um lado, tem-se medo dos demônios e, no outro, faz-se a veneração aos ancestrais. Aqui o luto tem a missão psíquica de desligar dos mortos as lembranças e esperanças dos sobreviventes. Quando isso acontece o sofrimento aos poucos diminui e, consequentemente, também o medo aos demônios. Os espíritos que antes foram temidos agora recebem um tratamento mais cordial, são até reverenciados como ancestrais.
Por último, e já pulando várias páginas interessantíssimas, diferenciasse a neurose de uma criação cultural como é o tabu. Nos povos primitivos a violação de um tabu acarreta em severas punições ao infrator, como morte ou doença grave. Nas neuroses, por outro lado, o paciente teme que se fizer algo proibido, o castigo não cairá sobre si mesmo, mas sobre outra pessoa. O homem primitivo, parece, é egoísta enquanto o neurótico é altruísta.
"A natureza associal das neuroses tem sua origem genética em seu propósito mais fundamental, que é fugir de uma realidade insatisfatória para um mundo mais agradável de fantasia. O mundo real [...] é evitado pelos neuróticos [que] se acha sob a influência da sociedade humana e das instituições coletivamente criadas por ela. Voltar as costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens" (Freud, 1996, p.85).
... continua na parte III ...

Referência
Freud, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Totem e Tabu (parte I: Horror ao incesto)

Encontro, em vários textos dos meus estudos psicanalíticos sobre os grupos, a menção ao artigo de Freud "Totem e Tabu" (1912-1913), sem contudo tê-lo lido. Pois bem, procurei nesse último fim de semana me aproximar desse interessante artigo, e aqui farei alguns recortes que acho interessantes. Como o texto não é de domínio de todos que aqui leem, farei resgate das passagens que julgo mais importantes, para a compreensão de temas que me interessam para os estudos dos fenômenos grupais.
Cap.I: Horror ao incesto
Sugere-se que se possa fazer a comparação entre a psicologia do homem primitivo e a psicologia dos neuróticos, pois há inúmeros pontos de concordância entre eles, que, de acordo do Freud, lançara luz sobre os fatos.
A base desses homens primitivos são os aborígenes australianos, isso porque são povos que têm pouco contato com outros de sua época. Têm hábitos de convívio pouco desenvolvidos, tais como, não criam animais, vivem da caça, não conhecem a arte da cerâmica etc. E, apesar dessa vida, esses povos estão submetidos a um elevado grau de restrição dos seus instintos sexuais, evitam o incesto.
Sua vida social é baseada no "totemismo". Cada subdivisão tribal australiana, os clãs, tem a denominação de um totem: "O que é um totem? Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã" (Freud, 1996, p.22). Os psicanalistas se interessam por esse tema, pois, em sua grande maioria, onde há totem também há uma lei que obriga que, pessoas do mesmo totem, tenham relações sexuais. É a "exogamia", uma situação relacionada com o totemismo.
Há interessantes descrições no texto sobre certos costumes de como as tribos praticam o totemismo. Em uma dessas descrições destacam-se os casos de evitação de um homem com sua sogra: são praticamente impensáveis as comunicações entre o homem e sua sogra, podendo ser consideradas como medidas protetoras contra o incesto, ou como um "corte" de relações ou de não-reconhecimento do homem, por ele se tratar de um estranho, até nascer o primeiro filho. Nos tempos mais civilizados não há dúvida que existe uma relação psicológica hostil entre sogra e genro, o que torna difícil a convivência entre ambos. Do lado da sogra há uma relutância em abrir mão de sua filha, dá-la a um estranho? A sogra perderia sua posição dominante dentro de sua própria casa? O genro, por outro lado, não quer se submeter a vontade dessa, que possui a afeição sobre a sua esposa antes dele. A sogra é a resistência que o atrapalha na sua supervalorização ilusória com origem nos seus desejos sexuais. A sogra, além disso, também tem características que lembram a filha, mas carece dos encantos da juventude, beleza e vivacidade que fazem com que sua esposa seja atraente a ele. Interpreto do texto que há ainda outra razão para que o genro tenha aversão a sua sogra: ele escolheu como objeto de amor sua mãe, mas devido ao incesto, seu amor é desviado dela para um objeto externo, modelado sobre ela. O lugar de sua mãe é agora assumido pela sua sogra. Ele não pode recair sobre a sua escolha original e luta para que isso não aconteça. Além disso, a sogra é uma pessoa nova na sua vida de modo que não existe uma representação dela no seu inconsciente. Apesar disso, ela realmente é alvo de seus sentimentos, é uma tentação ao incesto, mas conseguirá transferir esta flecha do amor para a filha dela.

Referência
Freud, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.